19 maio, 2011

Novo quilombo de Zumbi

Outro dia, lá em Santa, Pedrinho me falou de um verso do Caetano. Era um verso de 'Sampa' sobre o qual eu nunca havia meditado. Continha uma espécie de previsão, que no final da década de 80 - explicou Caetano à imprensa (e naquela noite Pedrinho, a mim) - de alguma forma havia se manifestado: "possível novo quilombo de Zumbi eram os Racioniais"

"E a profecia se fez como previsto
1 9 9 7 depois de Cristo"

Hoje pela manhã despertei com uma questão:

(o estômago do homem
a mulher da terra
o preço da fruta

a fez apodrecer

e o poema fede)

será que, nos últimos 15 anos, no Brasil, alguém conseguiu fazer uma canção melhor que essa?




A pergunta é ingênua, a pergunta é tola, e impossível de ser respondida. Mas ao mesmo tempo não consigo lembrar de uma canção que me lance à dúvida de um sim.

"Do saláro injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,

retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira"

08 abril, 2010

Visitas, lampejos e outras cores

Novo blog.
Outros posts, outros poemas.

O vermelho fica,
mas junto do tempo e das saudades:
fica pra trás.

(Sem querer, desastrada que sempre foi, ela fura o silêncio
da noite

do poema:
me diz que "o Amor é grande demais pra caber numa só cor"

e Sorri)


A partir de agora, penso que estarei mais presente no blog coletivo http://damansarda.blogspot.com/

02 março, 2010

Amor e Saneamento

1.

Morreu um menino no Piauí.

Depois da primeira noite de exibição de filmes no Teatro Maria Bonita, a grande mesa coletiva de café da manhã estava em silêncio. Os olhares eram quietos e se continham para baixo: o menino morto era membro do ponto de cultura que promovia o festival.

A mesa crescia, e a comida era boa, assim, pouco a pouco, os olhares iam se esquecendo de ser cerimoniosos. Foi daí que veio a explicação: madrugada, ele caminhava de volta para casa na companhia da namorada:

- Me dá o celular!
- Não dou!
- Gritou um tiro no peito.

Graças a uma sobra de compaixão, a menina não fora tocada.


2.

No dia seguinte, já havia alguma leveza. Pelos corredores, contada em sussurros, a história era toda outra. A menina tinha, além do rapaz, um outro namorado. E numa tocaia, que ninguém me sabia explicar e que eu não sabia acreditar; numa tocaia consumada em meio a telefonemas anônimos e uma tentativa de levar à força o menino para casa; numa tocaia feita por amor, pela menina, pelo outro namorado, é que o menino havia morrido.

Pensei que era muito banal se morrer por uma namorada adolescente. Mas talvez não o seja. E, além do mais, no Piauí, as coisas são um pouco diferentes. Lá, quando se vai a um bar ou restaurante e se pede água para acompanhar uma refeição, eles a trazem sem nenhum custo adicional. A água é da bica, não é filtrada, pode vir a ponto de congelar. Mas não será negada: eles a dão de graça. O garçom me explicou:

- Você me pediu água. Não pediu água mineral.

Ele tinha razão. Eu bebi.

Mais tarde disseram que o caso deu no telejornal.


3.

Sente-se um cheiro nauseante quando se desce pela primeira vez na rodoviária de Piripiri. Em São João do Piauí a rodoviária estava (e tenho certeza que ainda está) tomada de moscas. Em algumas ruas dos arredores do Campus da Universidade Federal do Piauí, vê-se esgoto sendo expelido por buracos-canos em calçadas, para em seguida tornarem-se magros filetes corredores das sarjetas.

Cruzando uma rua movimentada de Teresina, deu comigo um mais atrevido desses filetes. O moto-taxista - não haveria de ser de outra maneira - foi indiferente e passou por cima do estreito fio. Entendi que ao invés de bermudas, ali, eu deveria usar calças compridas.


4.

De Floriano, soube do caso de um amigo no Rio. Fazia poucos dias que havia se afastado de sua nova namorada, e, má surpresa, numa festa de sábado à noite, a encontrou aos beijos com um novo rapaz. Se entristeceu, foi buscar uma cerveja, e quando voltou ela já não estava mais: partiu, sem que ele pudesse saber se ela também o havia visto. Mas ela o viu.

No dia seguinte um foi à praia, o outro, ao museu. Mais tarde se telefonaram. À noite, se encontraram, conversaram e decidiram reatar o romance. Ninguém morreu. Não deu no telejornal.


5.

Na minha única noite em Teresina, beijei uma aluna da universidade. Ela me levou a um bar, onde conversamos como velhos conhecidos, como se ali já estivéssemos, e ainda houvéssemos de estar, outras vezes. No meio da noite, a moça quis me dar seu número de telefone. Anotei, e sabia que jamais ligaria. Também me deu um endereço de e-mail. Eu sabia que jamais escreveria.

Era preciso seguir viagem. E, na despedia, a moça me deu ainda mais o que podia, o que tinha para dar: me deixou uma caneta bic da cor preta. E, somente porque foi a primeira que encontrei, é com esta caneta que rascunho estes versos.

19 fevereiro, 2010

Poema só para Jaime Ovalle

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.

Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

(para esta longa quarta-feira-de-cinzas, este Manuel Bandeira)

08 fevereiro, 2010

Saias e lampejos

Da primeira vez que vi Beatriz,
durante dias,
o chão da minha casa só soube fazer brilhar.

Todos os cômodos,
era como se ela o tivesse tornado um pedaço de céu:
Porque o chão virou todo polvilhado de redondas estrelas.

(tempo)

Esta noite, o chão é apenas um chão,
de pés, de poeira.
Eu o observo...

e penso que Beatriz nunca mais me usou a saia que usava naquele primeiro dia.

15 novembro, 2009

Em resposta à vendo passar ela

Amor-morto.
Não foi o vermelho que expirou
A tragédia cedeu lugar à pressa
E o real contaminou a graça.
E o amor, este sim, mudou
A morte de amor, morreu
Os olhos dos amantes
Se encheram de preguiça
E a dor não mata mais.
Assim.


Os livros que tratam dos amores dilacerados
Que se dilacerem eles próprios
Ou que ardam – na brasa do sol!
Mudem de nome as criaturas
De um poeta inglês
E se criem novos heróis à maneira nova
Que secam lágrimas ao calor úmido.
Quando choram.


As amêndoas amargas de linhas colombianas
Não exalam seu perfume como dantes
Remetendo aos desejos sem ventura.
Tudo se arruma.
E a dor vem sim como um remédio
Que só no íntimo – e no gosto –
Remete às amêndoas.


Amor-novo.
De um novo entender o sol
E o frescor, o frescor raro.
À maneira nova, serão levados
Os amores – com e sem ventura!


Se a um tempo não se morre, se passa
Ao que se pode ver a extrema graça
De morrer
Um pouquinho de amor


Naquela manhã de fevereiro,
Restaram o sol e os confetes na sarjeta.
E a praça, a praça
continuava ali.


(Ao amigo Rodolfo, que me deu a forma desta poesia.
E a elas, elas que passam.)

Poema do amigo Rafael, em 22 de fevereiro de 2007

17 setembro, 2009

Sapato Florido

DA PAGINAÇÃO 

Os livros de poemas devem ter margens largas e muitas páginas em branco e suficientes claros nas páginas impressas, para que as crianças possam enchê-los de desenhos - gatos, homens, aviões, casas, chaminés, árvores, luas, pontes, automóveis, cachorros, cavalos, bois, tranças, estrelas - que passarão também a fazer parte dos poemas…


TRISTE ÉPOCA

Em nossa triste época de igualitarismo e vulgaridade, as únicas criaturas que mereceriam entrar numa história de fadas são os mestre-cucas, com os seus invejáveis gorros brancos, e os porteiros dos grandes hotéis, com os seus alamares, os seus ademanes, a sua indiscutida majestade.


EXEGESE

- Mas que quer dizer esse poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.
- E que quer dizer uma nuvem? - retruquei triunfante.
- Uma nuvem? - diz ela. - Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...


QUE HAVERÁ NO CÉU?

Se não houver cadeiras de balanço no Céu... que será da tia Élida, que foi para o Céu?



(Todos poemas do livro Sapato Florido, de Mário Quintana)