10 dezembro, 2007

Não-poema todo pra Lia

1.
Nem todo mundo
dá num poema
meu
ou de qualquer outra pessoa.

2.
Ele - o poema -
salta, corre, dança
tentando te ser,
mas não alcança:
me foge.

Ele - não este -
pensa, fabula, conspira
e, tentando te ser,
irrompe em fala.
Mas fala pouco,
fala sem ênfase:
e não te serve.

3.
Aqui, a busca pára
e o poema não aparece.
Entrego: não tenho a técnica para fazê-lo.
Mas sei bem
que ele existe, mesmo
sem ser encontrado,
ante-estético, em mim.

4.
Então, este - o não-poema - se faz
no inconcluso.
Se faz pouco,
e tampouco te diz ou te digniza,
mas, teu,
é o que pude
com tempo estreito
e largo carinho,
Lia.

27 novembro, 2007

João Cabral de Melo Neto


O que se diz ao editor a propósito de poemas

Eis mais um livro (fio que o último)
de um incurável pernambucano;
se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.

E preciso logo embalsamá-lo:
enquanto ele me conviva, vivo,
está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado.

Terminará ganhando outro pâncreas;
e se o pulmão não pode outro estilo
(esta dicção de tosse e gagueira),
me esgota, vivo em mim, livro-umbigo.

Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, esboçado,
nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do dactilografá-lo.

Um poema é o que há de mais instável:
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.

Um poema é sempre, como um câncer:
que química, cobalto, indivíduo
parou os pés desse potro solto?
Só o mumifica-lo, pô-lo em livro.


Com este poema João Cabral abre seu livro de poemas (nao foi o último) "A escola das facas".

17 outubro, 2007

Uma canção

Desde o início de uma manhã qualquer
homens de terno apertados
por suas gravatas refrescados
por aparelhos
de ar condicionado
conspiram contra o meu futuro.

Eu apertado por tudo
menos por enquanto
........ por gravatas de tecido
levo adiante a comum subvida
que se leva numa cidade
vestida de calças e paletó.

No caminho
de ida gasto
horas do meu dia
o preço desonesto da passagem (de onibus?)
e minha ternura.

No caminho
sem volta alheio
a tudo
enquanto os dias estão cada vez mais perdidos
tento tomar um pouco de ar
:afrouxo gravatas:
de saias e cheirando a mato
escrevo uma canção.

28 setembro, 2007

Ode ao ruído

Na rua,

(Um homem ao outro mais moço: Há três anos? Então você ainda não sabe. Três anos!? Quando tiver uns dez, aí você vai começar a entender.)

eu é que

(A mulher, simples, bêbada e em sorrisos: Sabe quantos anos eu tenho? Quinze! Eu vou ter pra sempre quinze anos de idade! - e mais sorrisos.)

não me fecho

entre parênteses

de ouvidos

(Vitor, amigo essencial e perdido, me dá um grito.),

enquanto tudo

ruído

polui o ar

de música, antimúsica, lira e antilira,

nun i-pod.


Rua é lugar de )orelha( nua.

06 agosto, 2007

www.

musicaparada.blogspot.com

13 maio, 2007

Nova poesia

Eu nem sou
isto espalhado por
Aqui
o que se vê é
um outro, que oscila:
ora meu vizinho próximo,
ora morador de nem sei onde distante.

Que este eu exista e se confunda
comigo
na maioria das vezes
na maioria das vezes
é só mostra do quão
...........................raso
.......................... novo
............ sou eu
............ é tudo

por aqui.

14 abril, 2007

As coisas

As coisas têm
massa,
volume,
tamanho,
tempo,
forma,
cor,
posição,
textura,
duração,
densidade,
cheiro,
valor,
consistência,
profundidade,
contorno,
temperatura,
função,
aparência,
preço,
destino,
idade,
sentido.
As coisas não têm
paz.

(Arnaldo Antunes)

02 abril, 2007

Réplica

I. Presente perfeito

“Não foi o vermelho que expirou.” ?
Como!? Se na ficção da vida
de uma noite de janeiro,
cheio de para-sempres, o mato!


II. Pretérito perfeito

Mais:
aquele vermelho, finado e passageiro,
morreu única e exclusivamente
porque assim o fiz.
Morte de minhas próprias mãos,
numa disparatada e voraz
___________ ...explosão!
___________Toda sonora.
___________Cheia de força.
___________D’uma só vez.

Minutos depois, a calmaria...
Então (re) matei metódico,
com toques e retoques,
cheio de cuidados e esmero,
E de sorrisos na face,
encerrei o vermelho.


III.Futuro do Presente

Como matemático, em voz alta,
provo o trabalho acabado.
E é na garganta que o sinto correto:
de canto é seu fado.

Ao som de canção,
(nova explosão!)
tudo novamente se dá:
um’outra felicidade;
um’outra fabulação.
E assim, em fato – sonoro –
se refaz e desfaz
a vida do m-eu-lírico vermelho.


(em resposta. a mim e ao amigo rafael.)

25 março, 2007

rápida suposição da dureza

.
Talvez estej'ela certa,
e eu seja mesmo como pedra.
Se sim, talvez, ainda assim,
eu faça tudo
....(igual)
...........a ela
...........a todos os outros
...........ao meu jeito:
....duro como pedra.

Talvez...
Um talvez triste.

(Pra mim. Pra falar sem pausas. Pra reler. Pra que.)

24 fevereiro, 2007

Dela

Nela há tanta delícia,
que, ela,
fosse minha todo dia,
todo dia ávido eu
faria de'm seu corpo
sem vírgulas
um jogolingüístico-fotografia,
para o qual eu operaria
a máquina digital
dela minha,
sujeito e objeto
da mais concreta
poesia. minha.

(Dela)

23 fevereiro, 2007

Romance carnaválico

e no terceiro dia
[sim, haveria +]
ela deixou tudo fora:
a igreja o pai a mãe o feminismo os programas de tv...

pura inteira pra mim
[carnaval chega SEDEX?]
entregue.

entre ela e eu
só eu ela

e o latex.


(Poema do amigo James Martins)

11 fevereiro, 2007

A mocinha-de-luz

se move
em fragmentos
quadros continuados
à luz da luz pintados
num segundo
vinte e quatro!
Há quem faça.
Ela não faz.
_._ é inteirinha
_._._ o cinema inteiro.

18 janeiro, 2007

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Oswald de Andrade

(Depois de assistir a "Cabra marcado para morrer".
Aos personagens de Eduardo coutinho)

15 janeiro, 2007

Vendo passar ela

Vermelho-fato.
É com enorme felicidade que vos falo
d’uma noticia fúnebre.
Aconteceu ainda há pouco,
e aconteceu para sempre.
O vermelho, como fato, deu-se e morreu.
Para tudo, o vermelho acabou de expirar.

Os homens que tratem de
arranjar nova luz
para os sinais fechados!
Os extintos partidos camaradas,
nos registros, que sejam renomeados!
que mudem de tom nos mastros!
Quanto ao comando? Ora!
Alí é certo que alguma outra cor já vigora!

Vermelho-fato.
Apreciado não só com os olhos,
mas com corpo, con tato.
Pintado! nos seus últimos
e primeiros instantes brilhou
emoldurando emoldurado.

Pleno.
Foi com toda a verdade
que é capaz de ser
uma peça, uma tonalidade.

Agora para sempre nada! nada,
além daquela breve caminhada,
naquela manhã de janeiro,
terá outra vez verdade e vermelho
no mesmo espaço-tempo.


(à desconhecida que fica)

12 janeiro, 2007

Bangu, futebol e metafísicas de autor

Tinha 14 anos e estava caído no asfalto. Sim, ele tinha o hábito de jogar bola no asfalto. E mais, as partidas aconteciam todo fim de tarde numa esquina torta, cruzamento de quatro ruas pouco atravessadas por automóveis. Ainda assim, eram eles, os automóveis, o principal motivo de interrupções nas partidas. Se quisermos eleger um motivo secundário, este seria a passagem, às vezes pelos rapazes apreciada, de moças, sem distinção de idade, pelo campo improvisado. Mas dessa vez o jogo havia sido interrompido por uma razão pouco comum. Um dos meninos estava no chão.

Não foi por maldade. Na ânsia do gol o atacante, se é que nisso que se chama de pelada há posições definidas, salvo o goleiro, chutou a bola com toda força em direção ao gol. O menino estava no caminho. Involuntário, ele interceptou o tiro, caiu no chão e gritou, Meu pau! Todas essas ações simultâneas.

No primeiro momento doeu pouco. Mas daí vieram os pensamentos, e a dor elevou-se a um patamar absurdo. O menino não levantava. E não levanta porque pensava. Uma bolada daquela poderia comprometer toda sua, não iniciada, mas iminente, cria ele, vida sexual. Que seria dele? Que seria do futuro macho por ele idealizado e por tanta gente mais moldado, desde os mais tenros anos de sua infância?

Nesse momento está formado em volta do menino um círculo de outros rapazes que para tentar reanimá-lo faz uso de técnicas um tanto quanto estranhas. A convicção, porém, com que passam, após cada falha, de um procedimento a outro demonstra que, mesmo estranhas, não são elas tão improvisadas. Mas de nada adianta. O menino continua no chão a gemer.

Deitado, junto da dor, o menino pensa. Sabe-se que aos 14 anos se está no auge da curiosidade, só saciada com a boca, pelo corpo seu e do outro. Sabe-se que nessa idade os hormônios trabalham com tanta intensidade que são responsáveis pela edificação das mais concretas verdades e também das mais fabulosas. Portanto o que deveras dói é o golpe, não tanto da bola quanto do destino, que provavelmente o atingiu para o resto de seus dias.

É preciso adimitir que talvez nada disso esteja se passando, afinal hoje não sou um narrador com tanto poder como já o fui. Da mente do rapaz nada sei. Apenas observo fatos numa tarde típica de Bangu há 10 anos atras.

O círculo se desfaz e, ainda com certa dificuldade, mas pronto pra voltar à partida, o menino se levanta.

(Para Pedrinho. Para Guilherme.)