18 janeiro, 2007

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Oswald de Andrade

(Depois de assistir a "Cabra marcado para morrer".
Aos personagens de Eduardo coutinho)

15 janeiro, 2007

Vendo passar ela

Vermelho-fato.
É com enorme felicidade que vos falo
d’uma noticia fúnebre.
Aconteceu ainda há pouco,
e aconteceu para sempre.
O vermelho, como fato, deu-se e morreu.
Para tudo, o vermelho acabou de expirar.

Os homens que tratem de
arranjar nova luz
para os sinais fechados!
Os extintos partidos camaradas,
nos registros, que sejam renomeados!
que mudem de tom nos mastros!
Quanto ao comando? Ora!
Alí é certo que alguma outra cor já vigora!

Vermelho-fato.
Apreciado não só com os olhos,
mas com corpo, con tato.
Pintado! nos seus últimos
e primeiros instantes brilhou
emoldurando emoldurado.

Pleno.
Foi com toda a verdade
que é capaz de ser
uma peça, uma tonalidade.

Agora para sempre nada! nada,
além daquela breve caminhada,
naquela manhã de janeiro,
terá outra vez verdade e vermelho
no mesmo espaço-tempo.


(à desconhecida que fica)

12 janeiro, 2007

Bangu, futebol e metafísicas de autor

Tinha 14 anos e estava caído no asfalto. Sim, ele tinha o hábito de jogar bola no asfalto. E mais, as partidas aconteciam todo fim de tarde numa esquina torta, cruzamento de quatro ruas pouco atravessadas por automóveis. Ainda assim, eram eles, os automóveis, o principal motivo de interrupções nas partidas. Se quisermos eleger um motivo secundário, este seria a passagem, às vezes pelos rapazes apreciada, de moças, sem distinção de idade, pelo campo improvisado. Mas dessa vez o jogo havia sido interrompido por uma razão pouco comum. Um dos meninos estava no chão.

Não foi por maldade. Na ânsia do gol o atacante, se é que nisso que se chama de pelada há posições definidas, salvo o goleiro, chutou a bola com toda força em direção ao gol. O menino estava no caminho. Involuntário, ele interceptou o tiro, caiu no chão e gritou, Meu pau! Todas essas ações simultâneas.

No primeiro momento doeu pouco. Mas daí vieram os pensamentos, e a dor elevou-se a um patamar absurdo. O menino não levantava. E não levanta porque pensava. Uma bolada daquela poderia comprometer toda sua, não iniciada, mas iminente, cria ele, vida sexual. Que seria dele? Que seria do futuro macho por ele idealizado e por tanta gente mais moldado, desde os mais tenros anos de sua infância?

Nesse momento está formado em volta do menino um círculo de outros rapazes que para tentar reanimá-lo faz uso de técnicas um tanto quanto estranhas. A convicção, porém, com que passam, após cada falha, de um procedimento a outro demonstra que, mesmo estranhas, não são elas tão improvisadas. Mas de nada adianta. O menino continua no chão a gemer.

Deitado, junto da dor, o menino pensa. Sabe-se que aos 14 anos se está no auge da curiosidade, só saciada com a boca, pelo corpo seu e do outro. Sabe-se que nessa idade os hormônios trabalham com tanta intensidade que são responsáveis pela edificação das mais concretas verdades e também das mais fabulosas. Portanto o que deveras dói é o golpe, não tanto da bola quanto do destino, que provavelmente o atingiu para o resto de seus dias.

É preciso adimitir que talvez nada disso esteja se passando, afinal hoje não sou um narrador com tanto poder como já o fui. Da mente do rapaz nada sei. Apenas observo fatos numa tarde típica de Bangu há 10 anos atras.

O círculo se desfaz e, ainda com certa dificuldade, mas pronto pra voltar à partida, o menino se levanta.

(Para Pedrinho. Para Guilherme.)