Tinha 14 anos e estava caído no asfalto. Sim, ele tinha o hábito de jogar bola no asfalto. E mais, as partidas aconteciam todo fim de tarde numa esquina torta, cruzamento de quatro ruas pouco atravessadas por automóveis. Ainda assim, eram eles, os automóveis, o principal motivo de interrupções nas partidas. Se quisermos eleger um motivo secundário, este seria a passagem, às vezes pelos rapazes apreciada, de moças, sem distinção de idade, pelo campo improvisado. Mas dessa vez o jogo havia sido interrompido por uma razão pouco comum. Um dos meninos estava no chão.
Não foi por maldade. Na ânsia do gol o atacante, se é que nisso que se chama de pelada há posições definidas, salvo o goleiro, chutou a bola com toda força em direção ao gol. O menino estava no caminho. Involuntário, ele interceptou o tiro, caiu no chão e gritou, Meu pau! Todas essas ações simultâneas.
No primeiro momento doeu pouco. Mas daí vieram os pensamentos, e a dor elevou-se a um patamar absurdo. O menino não levantava. E não levanta porque pensava. Uma bolada daquela poderia comprometer toda sua, não iniciada, mas iminente, cria ele, vida sexual. Que seria dele? Que seria do futuro macho por ele idealizado e por tanta gente mais moldado, desde os mais tenros anos de sua infância?
Nesse momento está formado em volta do menino um círculo de outros rapazes que para tentar reanimá-lo faz uso de técnicas um tanto quanto estranhas. A convicção, porém, com que passam, após cada falha, de um procedimento a outro demonstra que, mesmo estranhas, não são elas tão improvisadas. Mas de nada adianta. O menino continua no chão a gemer.
Deitado, junto da dor, o menino pensa. Sabe-se que aos 14 anos se está no auge da curiosidade, só saciada com a boca, pelo corpo seu e do outro. Sabe-se que nessa idade os hormônios trabalham com tanta intensidade que são responsáveis pela edificação das mais concretas verdades e também das mais fabulosas. Portanto o que deveras dói é o golpe, não tanto da bola quanto do destino, que provavelmente o atingiu para o resto de seus dias.
É preciso adimitir que talvez nada disso esteja se passando, afinal hoje não sou um narrador com tanto poder como já o fui. Da mente do rapaz nada sei. Apenas observo fatos numa tarde típica de Bangu há 10 anos atras.
O círculo se desfaz e, ainda com certa dificuldade, mas pronto pra voltar à partida, o menino se levanta.
(Para Pedrinho. Para Guilherme.)